Germano Almeida: “É inútil um artista passar pelo Ministério da Cultura e não deixar marca” | Dai Varela

9 de julho de 2011

Germano Almeida: “É inútil um artista passar pelo Ministério da Cultura e não deixar marca”

Germano Almeida, o contador de histórias que é campeão de venda de livros em Cabo Verde, afirma não acreditar que o Alfabeto Kabuverdiano possa vir a abrir-nos a ‘porta da modernidade’ e que Mário Lúcio deverá ter forçosamente um “olhar diferente dos outros ministros” e deixar a sua marca, apesar dos poucos meios do Ministério da Cultura.


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Alguma vez foi invadido pelo medo de não ser capaz de escrever mais?

Germano Almeida
Não, não me preocupo minimamente com isso. Aliás, estou à vontade porque quando comecei a publicar decidi, assim na brincadeira, que iria publicar dez livros. Bom, já vou em treze ou catorze livros pelo que já estou no ganho, de maneira que se eu não publicar mais não me preocuparei nem um pouco.






A autora Paula Gândara no seu livro “Construindo Germano Almeida – A consciência da desconstrução” diz que seus textos denotam uma preocupação formal. Existe realmente um escritor formal por detrás da irreverência dos seus textos?

Ah ela diz isto? Repare, quando escrevo um livro ou um texto, ele fica abandonado e vai fazer a sua vida. Este texto quando é lido por cada pessoa fica a pertencer a esta pessoa que o leu e ela tem o direito de fazer toda a sorte de interpretação sobre o texto. Eu não posso estar a correr atrás dela a dizer ‘cuidado não é isto, o que eu queria dizer era outra coisa’. Penso que se eu não soube dizer bem e a pessoa interpretou de forma diferente, então a culpa é minha e não se pode fazer nada. No entanto, o que sinto em mim é que eu não tenho uma preocupação formal, ou então a preocupação formal que tenho é aquela de tentar contar histórias e contar histórias tem muito pouco de formalismo.


Como é ler um livro que alguém escreve sobre a nossa pessoa, como foi o caso de “Construindo Germano Almeida – A consciência da desconstrução”?
 
(risos…) Acho que sentimo-nos extremamente desconfortáveis. É por isso que tenho por hábito somente passar uma vista de olhos sobre as coisas que escrevem sobre mim. Mas dizer que eu leio com atenção, isso não.


Já considerou o português como a porta de entrada da modernidade. Neste momento, o Alfabeto Kabuverdiano (AK) poderá vir a assumir esse papel?

Não creio que o AK possa vir a assumir esse papel de porta de entrada da modernidade. Isso porque o AK circunscreve-nos a nós e isso de abrirmos à modernidade é abrimos ao mundo. Nós precisamos saber aproveitar a língua que temos porque com o português podemos ir mais longe, mas com isso não pretendo colocar em causa o crioulo que é a nossa língua.


Colocar todo nosso sistema de ensino no AK é um projecto viável?

Germano Almeida
Não só não acho que seria um projecto viável como penso que seria um projecto suicida e não acredito que Cabo Verde possa vir um dia a ter meios para fazer isto. Nós não temos o direito de fazer isto porque iríamos circunscrever o nosso ensino ao nosso território e Cabo Verde é um país que vive dependente de outros e esta dependência obriga-nos a conhecer a língua dos outros para podermos estar próximos deles.


Disse uma vez que o crioulo limite-nos, fecha-nos sobre nós próprios. Podemos esperar um livro seu escrito em AK?

Não. Primeiramente eu não sei escrever em AK. Gostaria muito de escrever peças de teatro em crioulo mas não sei escrever em crioulo e isso dá-me pena porque elas só poderiam ser escritas desta forma. Já sou demasiadamente velho para aprender novas coisas.


Escrever no AK pode por em perigo a literatura lusófona?

Não há uma literatura lusófona e nós temos de evitar estes clichés. Há uma literatura cabo-verdiana como há literatura portuguesa ou moçambicana ou outras por ali fora. Há, isso sim, uma literatura feita em língua portuguesa, que é uma língua tanto dos portugueses como nossa, e que serve para transmitir a cultura dos diversos povos. Nós temos a vantagem de ter a língua portugueses para transmitir as coisas mas isso fica até aqui.


Novo Acordo Ortográfico (NAO) e Alfabeto Kabuverdiano, isso não será confusão demais para nosso sistema de ensino?

Não, de forma nenhuma porque cada um ocupa o seu espaço. Devo dizer-lhe que o Acordo Ortográfico não me preocupa. De vez em quando recebo mensagens dos puristas portugueses pedindo para que eu me junte a eles no combate ao NAO e eu respondo-lhes que não vou combater coisa nenhuma.


Mário Lúcio assume a pasta da Cultura e são muitos os artistas que se congratulam com isso. Partilha deste optimismo?

Com certeza porque o Mário Lúcio como artista que ele é deve ter forçosamente um olhar diferente dos outros ministros que tivemos. A questão é que o Ministério da Cultura não tem meios e ele terá que fazer uma grande ginástica e ter muita imaginação se quer fazer alguma coisa. Acredito que é relativamente inútil um artista passar pelo Ministério da Cultura e não deixar uma marca. Alguém me disse que os artistas são sempre maus ministros mas eu tenho esperança no Mário Lúcio.


Como um dos directores da Ilhéu Editora, pode dizer-nos se são as editoras que estão fechadas aos jovens escritores ou se é mesmo por falta de qualidade que não se edita jovens escritores?

Para já nós temos muita pouca oferta de jovens escritores porque tem-nos chegado poucos jovens a procura da Editora para publicar. A Ilhéu Editora fez uma aposta para publicar livros em quem reconhecemos alguma qualidade como é o caso do livro de poemas de Arménio Viera sabendo que não é vendido. Empatamos dinheiro mas com um autor que vale a pena empatar dinheiro.


Existe alguma forma literária que teria público em Cabo Verde mas que não está a ser explorada?

Não se pode definir uma forma literária que seja boa para conquistar o público. Reconheço que o nosso público é muito atraído pela prosa de humor. As pessoas dizem que eu escrevo com humor mas eu não posso dizer que eu escrevo com humor para ser lido. Escrevo com humor porque é a minha forma de ser. Por exemplo, o Testamento do sr. Napumoceno teve uma enorme aceitação a nível nacional porque é uma forma diferente de escrever, é leve e com humor. De facto, eu não tive nenhuma preocupação de escrever isso desta maneira. É a minha forma de escrever e de ser. Não creio que haja uma maneira específica de atrair as pessoas para a leitura, mas o que se poderia fazer era clubes de leitura como forma de conhecer a nossa realidade e desenvolver o nosso espírito crítico.


Já pensou em escrever para a Internet? Criar seu blog ou site, ou então escrever no Facebook?

Não tenho paciência para isso. Só de saber que tinha um blog e que tinha que escrever para ele eu perderia logo a vontade de escrever. Já no Facebook o meu nome está lá mas não fui eu quem o colocou e eu o considero um local onde a nossa pouca privacidade perde-se e fica devassada.


É verdade que os leitores cabo-verdianos estão se interessando mais por literatura? O que acha disso?

Espero bem que sim apesar de pensar que isto não é de agora. Os cabo-verdianos interessaram-se sempre muito pela literatura e acredito que se lê em Cabo Verde mais do que se pensa. Agora, nós temos uma questão que para os autores é muito mau mas que para o público é muito bom que é o problema do empréstimo de livros. Uma pessoa compra um livro e ela é lida por cerca de cinco pessoas.


O que podemos esperar de Germano Almeida?

Neste momento não tenho nenhum projecto. Como já lhe disse que a minha ambição era escrever dez livros e ela já foi cumprida há muito tempo, de maneira que tudo o que vier de agora para o futuro é faxon


Publicada (também) no Jornal A NAÇÃO N.º 197


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